Ressaca literária existe
Cansei de levar meus livros para passear e nenhum prendia minha atenção.
Sempre me apoiei nos livros para seguir a vida. Quando engato um bom livro, nunca me sinto sozinha. Mas há meses estava travada com a leitura. Desde que saí do Brasil, não conseguia ler nada, por pura falta de interesse e concentração.
Cansei de levar meus livros para passear. Mal sentava no banco do trem, café, parque e já me distanciava do objetivo principal, sendo engolida pela superficialidade da vida dentro das telas.
É engraçado pensar, mas o termo Ressaca Literária existe é caracterizada como uma espécie de bloqueio para leitura. Ela se manifesta por uma série de “sintomas” como: desânimo, desinteresse, dificuldade de concentração, de engajar e até mesmo finalizar uma leitura.
Essa ressaca geralmente acontece depois de um livro muito bom, ou muito ruim, mas também pode surgir por conta de outros aspectos da vida do leitor, como sobrecarga de atividades e momentos emocionalmente difíceis.
Bingo!
Mas pra não dizer que não li, eu até trouxe um livro físico do Brasil chamado "Felizes os Felizes", da autora francesa Yasmina Reza. Havia comprado dias antes de embarcar para Melbourne, na biblioteca de bairro de Pinheiros, indicação da livreira. Na época até pensei: O último livro físico que compro na minha língua materna.
Tentei ler durante a viagem interminável de avião, mas o misto de ansiedade era tanto que não rolou.
Nos primeiros dias aqui na cidade, ainda insisti, mas não era uma leitura para aquele momento da minha vida. Aí o livro ficou esquecido e só fui terminá-lo no mês passado. Ainda sim, não senti conexão nem aquela vontade de continuar lendo, que costuma acontecer quando a gente pega o livro certo. Uma leitura vai engatando na outra e assim você vai preenchendo seu dia.
Aqui na Austrália, para melhorar o inglês, até consegui ler dois livros inteiros que cacei na biblioteca do bairro, mas eram livros infanto-juvenis, com estrutura e enredo simples e vocabulário acessível Só que mais uma vez, são livros que não me causaram conexão, ainda mais quando você não lê na sua língua de origem.
Até que um dia vi um stories de um influencer qualquer falando sobre o livro "A Biblioteca da Meia Noite", de Mall Haig. O livro parece hypado, com mil e uma resenhas, indicações. Confesso que tenho certo receio, quem nunca caiu no canto das Mulheres que correm com os Lobos, eu já, mas decidi tentar para ver se curava essa ressaca literária.
E finalmente deu certo. Fazia tempo que não me sentia tão envolvida com um livro. A história é muito interessante, de uma garota que está a beira de interromper a vida, até que ela vai parar nessa biblioteca da meia noite e consegue ter acesso as vidas que ela poderia ter vivido e suas infinitas possibilidades.
Vai dizer que você nunca imaginou sua vida com o famoso: E se…
E se eu tivesse largado aquele emprego, se tivesse feito aquela viagem.
“É uma revelação e tanto descobrir que o lugar para onde você quis fugir é exatamente o mesmo lugar de onde fugiu. Que a prisão não era o lugar, mas a perspectiva.”
Apesar do tema parecer pesado, é uma leitura simples até, mas com vários insights filosóficos legais. Me lembrou um pouco do livro “A elegância do ouriço”, Muriel Barbery.
Fases & Fases
É muito engraçado como os livros podem marcar diferentes fases da vida. Lembro que durante a pandemia peguei para ler toda tetralogia da Elena Ferrante e como aqueles livros me tocaram. Antes de vir para Austrália, estava morando no centro de São Paulo e me sentia bastante angustiada por conta do processo de visto e lembro que um livro que me marcou nesse período foi "Arroz de Palma".
Mas quando sentava pra ler, esquecia de tudo. É um livro tão interessante que costumo dar de presente para as pessoas. Aliás, se eu puder te indicar um livro nesse momento, leia e depois me fale.
Lembro também da minha fase juvenil, quando li praticamente toda coleção "os karas" de Pedro Bandeira, depois veio Harry Potter, até chegar na Ferrante.
E hoje estou aqui, feliz, pela Biblioteca da Meia Noite ter reacendido novamente a vontade de me enfiar nos livros. Logo que terminei, já engatei uma nova leitura delícia chamada "Relatos de um gato viajante", do autora japonesa Hiro Arikawa e assim pretendo seguir.
Os livros servem como termômetro para mim Às vezes a gente se sente meio estagnado, sem energia, meio bláh. Mas às vezes, nesses momentos, se você tiver um bom livro nas mãos, tudo isso desaparece (nem que seja por algum período).
Livros salvam!